Ninguém percebia que ele existia!
Foi necessário mudar o governo para que todos percebessem que ele é um semelhante...
A primeira vez que vi o Siri foi habitando um "estabelecimento" fechado, cuja porteirinha estava arrombada e facilitou a ocupação para sua moradia. Mas, Siri não deu sorte, pois era o início de primavera, onde alguns imóveis que estão fechados começam a ser alugados para a temporada de fim de ano. Foi expulso dali e mudou-se para o quiosque de jogatina de carteado...mas, também não foi feliz em sua empreitada. Logo, gradearam o tal quiosque e Siri ficou sem "teto" novamente.
Aí, começa a saga do meu sem teto, Siri!
Ele passou o verão todo morando com seu papelão cama, em frente as calçadas da orla ou embaixo de marquises. Ajudava moradores, comprando pão, jornal e em troca recebia algum alimento. Pescava também, empurrando barcos e com seu puçá pegava alguns de seus xarás para se alimentar ou trocar por umas biritas que embalam seus dias.
Acontece que Siri é um cara interessante e sabe observar...
Percebeu que em uma determinada calçada, a prática da ocupação irregular se fazia rotina... eram mesas, cadeiras, churrasqueiras, carrocinhas de ambulantes, carros de som que embalavam o comércio que ali se fazia presente e no início da madrugada, ali se vendia também outras coisitas mais...
E Siri esperou... logo depois do carnaval se transferiu com seus pertences para esta calçada...
Garimpou nos lixos que os "corretos" moradores espalhavam pelas ruas, mobiliário para sua ocupação. Camas, cadeiras, guarda sol, cobertor, aparelho de telefone, televisão que só serve para compor sua residência, ventilador que não funciona e objetos que faziam com que seu mais novo lar, tivesse ares de uma residência.
Foi então que os olhos de todos se voltaram para ele...
Como pode em plena orla um morador de rua? Como pode um sem teto "morar bem" em nossa orla desvalorizando os imóveis dos nobres pagadores de impostos? Como a moradora do prédio não se indigna? Como iremos ocupar esta calçada para nosso comércio e laser, se este sem teto enfeia o entorno e repugna os "clientes"?
E começa o chororô... gritam, abordam a moradora, berram no face, tiram fotos, batem no Siri, acusam governo de negligencia, esquecendo que por toda Mangaratiba temos moradores de rua, e muitos bem próximos da residência daqueles que estão berrando por aí...ah! Mas, estes não estão na orla, nem possuem "móveis" que chamam atenção e passam o dia vagando pelas ruas do município sem que o visual de horror fique tão explícito!!!
E a polêmica se faz...
Siri aponta a hipocrisia local, pois ninguém se interessou nos problemas dele até que interesses imundos subissem à tona. Veio a troca de governo e lá vão os opositores gritarem por uma Mangaratiba melhor...para eles mesmos. Veio a impossibilidade de fazerem a orgia do comércio irregular e lá estão os pagadores de impostos a berrar. Veio enfim, o conflito de interesses e Siri será usado por todos... falsas compaixões, falsas cidadanias e falsos interesses sociais se apressam em resolver este problema.
Bom, Siri precisa mesmo sair dali...
Siri precisa ter seus direitos garantidos, precisa querer sair da calçada e necessita ser abordado constantemente para que perceba suas próprias necessidades básicas, mas não pode ser alvo de truculência ou de uma ação ditatorial que fere seus direitos constitucionais. Ele provavelmente tem uma família, veio de um lugar onde violência do tráfico era maior que a de Mangaratiba e com toda certeza, Siri precisa antes de mais nada ser tratado como pessoa e não objeto de interesse pessoal.
A ação social terá um trabalho intenso de abordagem ao meu morador de marquise... precisa ser estimulado a perceber que corre riscos e que necessita de tratamento de saúde. Sua família deve ser responsabilizada por abandono de incapaz, caso o tenham abandonado a própria sorte. A sociedade não pode clamar por truculência, nem mesmo usar um drama social para interesses pessoais ou oposicionistas. E nossos nobres moradores, não devem pensar que com a saída do Siri, a calçada passará a ser novamente uma praça de alimentação a céu aberto, desrespeitando leis e direitos alheios de ir e vir.... assim como tem o Siri!
Portanto, chega de hipocrisia geral!!! Se é para ocupar a calçada, que seja o Siri e seu abandono social!